Se é sem dúvida Amor esta explosão de tantas sensações contraditórias;
a sórdida mistura das memórias tão longe da verdade e da invenção;
o espelho deformante; a profusão de frases insensatas, incensórias;
a cúmplice partilha das histórias do que os outros dirão ou não dirão;
se é sem dúvida Amor a covardia de buscar nos lençóis
a mais sombria razão de encantamento e de desprezo;
não há dúvida, Amor, que te não fujo e que por ti, tão cego, surdo e sujo
a sórdida mistura das memórias tão longe da verdade e da invenção;
o espelho deformante; a profusão de frases insensatas, incensórias;
a cúmplice partilha das histórias do que os outros dirão ou não dirão;
se é sem dúvida Amor a covardia de buscar nos lençóis
a mais sombria razão de encantamento e de desprezo;
não há dúvida, Amor, que te não fujo e que por ti, tão cego, surdo e sujo
tenho vivido eternamente preso!
David Mourão-Ferreira
(Poema com imagem extraído da net)
David Mourão-Ferreira
(Poema com imagem extraído da net)
Nelinha, escolheste três lindos poemas sobre a temática recorrente do texto lírico: O AMOR. Poemas de épocas diferentes, mas que, como verificas, são intertextuais no que se refere ao tema. Gosto fundamentalmente do do David Mourão Ferreira... é forte, avassalador e verdadeiramente definidor do que somos capazes quando amamos. E, às vezes, amamos de mais e não conseguimos romper as ténues amarras que ainda nos ligam ao objecto do nosso amor. Às vezes, o que existe já não é mais nada senão a nostalgia dos momentos de paixão que então vivemos. Mas insistimos... e quando estamos sozinhos, a decisão de enfrentar a ruptura ainda se torna mais difícil. É que, diz-me a experiência, nada, mas mesmo nada é pior do que a solidão. A companhia de alguém com quem possamos partilhar as nossas vivências -boas ou más - é absolutamente necessária à nossa estabilidade emocional.
ResponderEliminarFeito este "desvio" ao tema central do comentário (os poemas), vou deixar-te aqui um dos textos mais bonitos do grande poeta Eugénio de Andrade. Sempre que o ouço me arrepio... ciente de que, tal como ele diz, todas as relações atingem o desgaste. E o primeiro "aviso" desse cansaço é a incapacidade de comunicação.
Poema
Eugénio de Andrade
Adeus
Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.
Meto as mãos nas algibeiras
e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro!
Era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!
E eu acreditava!
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
no tempo em que o teu corpo era um aquário,
no tempo em que os teus olhos
eram peixes verdes.
Hoje são apenas os teus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.
Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor...
já não se passa absolutamente nada.
E, no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
Não temos nada que dar.
Dentro de ti
Não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.
Adeus.