sexta-feira, 16 de abril de 2010

Poema de Eugénio de Andrade

Adeus

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,

e o que nos ficou não chega para afastar o frio de quatro paredes.

Gastámos tudo menos o silêncio.

Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,

gastámos as mãos à força de as apertarmos,

gastámos o relógio e as pedras das esquinas em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.

Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro!

Era como se todas as coisas fossem minhas:

quanto mais te dava mais tinha para te dar.

Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!

E eu acreditava!

Acreditava, porque ao teu lado todas as coisas eram possíveis.

Mas isso era no tempo dos segredos,

no tempo em que o teu corpo era um aquário,

no tempo em que os teus olhos eram peixes verdes.

Hoje são apenas os teus olhos.

É pouco, mas é verdade,

uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.

Quando agora digo: meu amor...

já não se passa absolutamente nada.

E, no entanto, antes das palavras gastas,

tenho a certeza de que todas as coisas

estremeciam só de murmurar o teu nome

no silêncio do meu coração.

Não temos nada que dar.

Dentro de ti

Não há nada que me peça água.

O passado é inútil como um trapo.

E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.
- Poema que foi posto no meu comentário de "Soneto cativo" pela minha cunhada Lua, a quem agradeço o belo e verdadeiro poema de Eugénio de Andrade, e que vem na sequência dos últimos poemas que postei -.
Beijinho à Lua pela sugestão!

Sem comentários:

Enviar um comentário