segunda-feira, 31 de maio de 2010

Pobres dos ricos...tanto lá como cá...


Pobres dos nossos ricos Mia Couto - Poeta Moçambicano

POBRES DOS NOSSOS RICOS

A maior desgraça de uma nação pobre é que em vez de produzir riqueza, produz ricos.


Mas ricos sem riqueza.
Na realidade, melhor seria chamá-los não de ricos mas de endinheirados.
Rico é quem possui meios de produção.
Rico é quem gera dinheiro e dá emprego.
Endinheirado é quem simplesmente tem dinheiro, ou que pensa que tem.


Porque, na realidade, o dinheiro é que o tem a ele.
A verdade é esta: são demasiados pobres os nossos "ricos".
Aquilo que têm, não detêm.
Pior: aquilo que exibem como seu, é propriedade de outros.
É produto de roubo e de negociatas.
Não podem, porém, estes nossos endinheirados

usufruir em tranquilidade de tudo quanto roubaram.

Vivem na obsessão de poderem ser roubados.
Necessitavam de forças policiais à altura.
Mas forças policiais à altura acabariam por lançá-los a eles próprios na cadeia.
Necessitavam de uma ordem social em que houvesse poucas razões para a criminalidade.

Mas se eles enriqueceram foi graças a essa mesma desordem ...


MIA COUTO

(foto google) - Enviado por Lucília Ramos

1 comentário:

  1. Nelinha,li há pouco tempo este texto do Mia. Decorre da conhecimento que ele tem da realidade do mundo e do seu país e da sua capacidade de análise. Imagino que deve sentir uma grande frustração... a memória de Eduardo Mondlane, Josina Machel, Samora Machel e outros não tem sido devidamente "guardada". É o mundo desconcertado em que vivemos(e repara, de que Camões já falava).
    Gosto da escrita de Mia Couto. Estou a ler, neste momento, o seu romance "Jesusalém". Lindo, fundamentalmente pela boca do narrador. Por isso, gostaria de te deixar aqui um curto excerto... retira as conclusões que quiseres.
    Excerto:
    (...)
    -Ntunzi, me diga: como é um avô?
    Para minha grande inveja, Ntunzi cnhecera a inteira colecção dos avós. Talvez por pudor, nunca falava deles. Ou, quem sabe, tivesse receio que meu pai viesse a saber? Silvestre Vitalício interditava as lembranças. A família éramos nós, sem mais outros. Os Venturas não tinham antes nem depois.
    - Um avô? - inquiriu Ntunzi.
    - Sim, me diga como é.
    - Um avô ou uma avó?
    Tanto fazia. Na verdade, não era a primeira vez que lhe dirigia a mesma interrogação. E meu irmão nunca respondia. Ficava contando pelos dedos como se a ideia desses progenitores nascesse de delicados cálculos. Ele contava, sim, por inalgarismos.
    Nessa noite, porém, Ntunzi deve ter completado a contagem. Porque foi de sua vontade que retomou o assunto, já eu arrumado entre os meus lençóis. Entre as mãos arredondava um vazio, com cuidados de quem transporta uma pequena ave.
    - Quer saber como é um avô?
    - Sempre lhe perguntei, você nunca respondeu.
    - Você, MWanito, nunca viu um livro, pois não?
    E explicou-me como era composto esse tentador objecto, equiparando-o a um grande baralho de cartas.
    - Imagine cartas do tamanho de uma mão. Um livro é um baralho feito dessas cartas, todas coladas do mesmo lado.
    O olhar dele não tinha destino quando passou a mão sobre um imaginário baralho de cartas e disse:
    - Você acaricia um livro, assim, e sabe como é um avô.
    (...)Fim do excerto.

    O poema do Régio é, sem dúvida, muito actual. Parabéns para o Eduardo.

    Muitos beijinhos

    ResponderEliminar