terça-feira, 4 de maio de 2010

O Canto dos Ventos nos Ciprestes


Mãe, eu quero ir-me embora – a vida não é nada daquilo que disseste quando os meus seios começaram a crescer.

O amor foi tão parco, a solidão tão grande, murcharam tão depressa as rosas que me deram – se é que me deram flores, já não tenho a certeza, mas tu deves lembrar-te porque disseste que isso ia acontecer.

Mãe, eu quero ir-me embora – os meus sonhos estão cheios de pedras e de terra; e, quando fecho os olhos, só vejo uns olhos parados no meu rosto e nada mais que a escuridão por cima.

Ainda por cima, matei todos os sonhos que tiveste para mim – tenho a casa vazia, deitei-me com mais homens do que aqueles que amei e o que amei de verdade nunca acordou comigo.

Mãe, eu quero ir-me embora – nenhum sorriso abre caminho no meu rosto e os beijos azedam na minha boca.

Tu sabes que não gosto de deixar-te sozinha, mas desta vez não chames pelo meu nome, não me peças que fique – as lágrimas impedem-me de caminhar e eu tenho de ir-me embora, tu sabes, a tinta com que escrevo é o sangue de uma ferida que se foi encostando ao meu peito como uma cama se afeiçoa a um corpo que vai vendo crescer.

Mãe, eu vou-me embora – esperei a vida inteira por quem nunca me amou e perdi tudo, até o medo de morrer.

A esta hora as ruas estão desertas e as janelas convidam à viagem.

Para ficar, bastava-me uma voz que me chamasse, mas essa voz, tu sabes, não é a tua – a última canção sobre o meu corpo já foi há muito tempo e desde então os dias foram sempre tão compridos, e o amor tão parco, e a solidão tão grande, e as rosas que disseste um dia que chegariam virão já amanhã, mas desta vez, tu sabes, não as verei murchar.

De "O Canto do Vento nos Ciprestes", Gótica, 2001, 80 pags.

(Imagem extraída da net) - (Poema enviado por Lua Cunha)-

1 comentário:

  1. Como texto é muito belo e parabéns à autora. O conteúdo é muito triste. A vida é - a gente sabe - terrivelmente bela. Mas o sol e a luz e o amor estão aí sempre. Muitas vezes batem à porta e ela está fehada. Por isso não a fechemos nunca. Nem ao sol, nem às rosas.

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