quarta-feira, 2 de junho de 2010

Crianças


Diálogo

Levarás pela mão o menino até ao rio.

Dir-lhe-ás que a água é cega e surda.

Muda, não.

Que o digam os peixes,
que em silêncio com ela sustentam seu diálogo líquido,
de líquidas sílabas de submersas vogais.

Albano Martins, in "Castália e Outros Poemas"

Criança

Cabecinha boa de menino triste,
de menino triste que sofre sozinho,
que sozinho sofre, — e resiste,

Cabecinha boa de menino ausente,
que de sofrer tanto se fez pensativo,
e não sabe mais o que sente...

Cabecinha boa de menino mudo que não teve nada,
que não pediu nada, pelo medo de perder tudo.

Cabecinha boa de menino santo que do alto
se inclina sobre a água do mundo para mirar seu desencanto.

Para ver passar numa onda lenta e fria
a estrela perdida da felicidade que soube que não possuiria.

Cecília Meireles, in 'Viagem'

As meninas

as minhas filhas nadam.

a mais nova leva nos braços bóias pequeninas,
a outra dá um salto e põe à prova o corpo esguio,
as longas pernas finas:

entre risadas como serpentinas,

vai como a formosinha numa trova,

salta a pés juntos, dedos nas narinas,

e emerge ao sol que o seu cabelo escova.

a água tem a pele azul-turquesa e brilhos e salpicos,

e mergulham feitas pura alegria incandescente.

e ficam, de ternura e de surpresa,

nas toalhas de cor em que se embrulham,

ninfinhas sobre a relva, de repente.

Vasco Graça Moura, in "Antologia dos Sessenta Anos"
(Foto google) - Poemas enviados por Lua Cunha

1 comentário:

  1. Lindos poemas sobre as águas e sobre as crinças. As águas não são mudas, não. Elas cantam a beleza do Universo. Da vida, na sua riqueza imensa. Mas também falam, basta estarmos atentos, sobre a vida das crianças que nunca foram meninos. São águas de embalar. São águas de choro e de carícias. Que as estelas ouvem nas noites de silèncio profanado pela indiferença dos adultos. Gostei de te ler. E ouve: já comi muitas cerejas. Hum....que boas. Beijo e bom domingo. Dá cumprimentos à Morgada.

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